Corpos , cinema e vídeo

A proposta de reunir as duas modalidades de imagem – o cinema e o vídeo – na sua relação com o corpo sugere uma estratégia que contemple o que as une e o que as separa. Lugar do movimento e do exercício dos afetos, no cinema a visibilidade dos corpos e das ações por eles realizadas visa diretamente o espectador, põe-no, de certo modo, “em movimento”, levando-o à experiência sempre renovada de suas afecções. Não por acaso, um dos mais belos livros já escritos sobre o cinema, de Jean-Louis Schefer,  O homem comum do cinema, fala do espectador como um “homem experimental” que inaugura, na sala escura, toda uma gama de novos afetos ou renova sua experiência afetiva em novas e inusitadas proporções. Continuar lendo

A tela e a pele – Cinema, vídeo e computador

A tela de cinema foi a primeira das chamadas imagens-movimento a fazer valer sua vocação realista para a representação da pele. Antes do cinema, a tela pictórica já consagrara  a representação da pele por meio do nu, assim como integrara o tato por meio da exploração das texturas. Ao longo das sucessivas telas, da pintura ao computador, a imagem da pele se renova e se transforma, enquanto seus poderes e qualidades são integrados de diferentes maneiras por cada uma delas – quando não é a própria tela que se faz pele, reagindo ao toque, como a tela de cristal líquido do computador. Continuar lendo

Sob o som das caminhadas, abre-se a VII Bienal Internacional de La Paz

“A arte boliviana do século XX vinha remexendo em temas que a atual conjuntura histórica mexe – coincidentemente – no alvorecer do século XXI. Como visão ou presságio, como utopia ou consequência, como destino ou obviedade, o certo é que o que país político enuncia hoje já estava enunciado em nossas artes.”

Cergio Prudencio – Hay que caminar sonando, Fundación Otro Arte, 2010.[1]

O estrangeiro – mal informado pela imprensa sobre a situação política na Bolívia e pouco  familiarizado com a produção artística do país – não dispõe da mesma medida que enseja a afirmação do músico Cergio Prudencio. Continuar lendo

Sara Ramo, ou o exercício da liberdade.

O mundo de Sara é um mundo de coisas: panelas, vidros e potes de creme, xícaras, camas, vasos de plantas, bacias de plástico; ou estatuetas de bichos, escorregadores, pedras, objetos descartados, cadeiras, poltronas de teatro. São coisas banais, com as quais convivemos no nosso dia-a-dia e nas quais já nem prestamos mais atenção. Sara as desloca de seus lugares, agrupa, dispersa; às vezes faz delas um uso inusitado, ou então se limita a isolá-las, apontá-las. São gestos corriqueiros, que fazem parte de nosso repertório cotidiano de movimentos por meio dos quais agimos… Aqui, a dúvida se introduz. Será que “agimos” mesmo sobre as coisas? Ou seríamos, ao contrário, “agidos” por elas? Como dar continuidade à frase? É nesta pergunta, no intervalo aberto por esta interrogação que se insere o trabalho de Sara. Como é possível “agir” sobre o mundo? A liberdade não seria, justamente, a condição primeira para tal ação? Mas não seríamos nós seres de hábito, repetindo sempre os mesmos gestos, obedecendo sem cessar aos mesmos comandos – limitados e por demais empobrecidos para ver além do que nos é dado a ver? Continuar lendo

Leila Reinert

Texto publicado no folder da exposição “ Quando o cotovelo vira coração, poderá a dor dar?” de Leila Reinert.

Diante do título da exposição, o espectador também se faz uma pergunta. Pois o jogo fonético com as palavras “dor” e “dará”m a sugestão de um deslocamento (cotovelo coração) que evoca, ainda, a metafórica  “dor de cotovelo”, e até mesmo a dúvida na forma da pergunta (ou seria uma ironia?) – tudo isso faz pensar que um fantasma ronda a sala. Ele parece, com efeito, espreitar os nus femininos – o nu, ou melhor, o desnudamento feminino não foi um dos móveis de seu trabalho? – que, com o brilho da luz espalhado na região do sexo em formas impossíveis de identificar, ainda parece deixar no ar uma longínqua sugestão de androginia – ou seria uma cópula com a luz? Nos objetos sobre o chão, a presença do vidro associado ao corpo faz crescerem ainda mais as suspeitas. Será que se trata de uma evocação da obra de Marcel Duchamp – pois é bem este o fantasma que aqui assombra – por meio do mesmo material utilizado na composição de La mariée mise à nu par sés célibataires, Même, ou, Le grand verre (1915-23), justamente aquela em que o autor, numa intensas invocação da figura feminina, rompe com toda a convenção artística do passado? Continuar lendo

Artur Barrio – fricções entre arte e registro

Análise do filme Abertura I. De Artur Barrio.

Texto apresentado no  X Encontro SOCINE, Ouro Preto, 2006.

O texto analisa o filme Abertura I, de Artur Barrio. Ele desenvolve o ponto de vista de que, ao adotar o filme Super8 – e mais tarde o vídeo – para o registro de suas ações e performances, os artistas não só conferiram uma nova dimensão ao seu trabalho, mas foram também levados a definir o estatuto de tais registros em relação às exigências de suas próprias obras; ao mesmo tempo, esta incorporação de uma nova dimensão as suas práticas artísticas lhes impôs o confronto com novas linguagens, dando origem a diferentes estratégias e procedimentos.

O filme de Artur Barrio é tomado como exemplar para o exame dessas múltiplas implicações do ato de registrar, tanto em virtude das fricções desencadeadas pela concepção que o artista tem do registro como mera “informação” sobre a obra, quanto das tensões que se estabelecem entre esta e as exigências próprias da linguagem cinematográfica.  Continuar lendo